quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A Cultura do Palácio 7 - O classicismo humanista e a recuperação das antigas formas cénicas

No seu período de afirmação medieval, o cristianismo assumira uma posição de rejeição em relação à cultura clássica.

A Igreja, tentara, através da transformação e extensão dos rituais em formas espectaculares, esgotar em si a vida espiritual dos fiéis incluindo aquilo que nos dias de hoje poderemos designar por vertente recreativa e cultural.

Foi assim que, ao longo do calendário religioso, se acrescentaram (ou mesmo sobrepuseram) manifestações festivas aos rituais da missa, no interior das igrejas.

Muitas vezes o ritual era contrafeito e parodiado. Noutras ocasiões realizavam-se danças e jogos que podiam degenerar em explosões orgíacas.

A partir de certo momento, a Igreja preferiu optar pela pureza do ritual da missa do que integrar estas manifestações de tendência considerada pagã.

Assim acabaram todas as manifestações de entretenimento e de paródia como também as extensões dramáticas do ritual: o drama litúrgico foi abolido e os mistérios afastados do recinto sagrado.

O latim foi adoptado, definitivamente, enquanto língua exclusiva do ritual litúrgico.
A celebração da missa acabou por encerrar-se sobre si própria.
O clero participa e realiza o ritual, aos fiéis é exigida, apenas, a sua presença.

Os Mistérios, os Milagres, as representações sagradas vêem-se separados da sua fonte e saem do recinto religioso tornando-se formas de teatro populares.

O teatro regressa às ruas dos burgos.

Com o “renascimento do mundo antigo” – processo que irá desenvolver-se centrado na Itália e que levará à afirmação de uma cultura aristocrática e elitista (o poder afirma-se através do gosto) – o teatro será abordado sob diferentes pontos de vista:
  • literário
  • arquitectónico
  • cenográfico
  • cénico

O teatro religioso irá cruzar-se com o “novo” teatro que desponta no século XVI. Assiste-se à recuperação das formas teatrais clássicas de pendor erudito.

O teatro saiu do recinto religioso para reencontrar o seu lugar no mundo laico.

As comédias clássicas romanas constituíam o centro vital das festas de corte.
A cultura clássica tornava-se elemento integrante da vida aristocrática.

Os convidados só chegavam ao pátio onde era montado o teatro após uma longa festa com baile.
O espectáculo tinha, além da representação dramática, um desfile dos trajes que iriam ser usados pelos actores pois nenhum traje era usado duas vezes.

Mesmo quem tinha de representar “escravos gregos, servos, patrões, mercadores” (normalmente os actores eram pessoas da corte) vestia trajes luxuosos e modernos.

É difícil imaginar como se representavam as comédias, normalmente interpretadas pelos intelectuais  da corte.

Entre os actos e no final das comédias eram inseridas curtas acções espectaculares, os entreactos, geralmente momentos de mímica e dança.


Talvez pela sua maior intensidade espectacular, os entreactos cedo começaram, a ser mais apreciados que as comédias que geralmente se tornavam mais pesadas devido a más traduções do latim.

A Cultura do Palácio 6 - Arte Renascentista (generalidades)

O Renascimento foi um período marcado por grandes transformações em muitas áreas da vida humana.

Apesar destas transformações serem evidentes na cultura, na organização da sociedade, na economia, na política e na religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e uma certa ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais utilizado para descrever as transformações verificadas nas artes, na filosofia e nas ciências.

As obras de arte do Renascimento materializaram uma nova maneira de ver o mundo. 

As obras de arte renascentistas apresentavam características comuns.
Características gerais:
• Racionalidade
• Dignidade do Ser Humano
• Rigor Científico
• Ideal Humanista
• Reutilização das artes greco-romana
Brunelleschi foi um dos principais arquitectos do Renascimento - exemplo do artista completo renascentista, foi pintor, escultor e arquitecto. Além de dominar conhecimentos de Matemática, Geometria e de ser grande conhecedor da poesia de Dante. Os seus trabalhos mais importantes foram a cúpula da catedral de Florença e a Capela Pazzi. 

ARQUITECTURA
Principais características:
• Ordens Arquitectónicas
• Arcos de Volta-Perfeita
• Simplicidade na construção
• A escultura e a pintura desprendem-se da arquitectura e passam a ser autónomas
• Construções; palácios, igrejas, vilas (casa de descanso fora da cidade), fortalezas (funções militares)

PINTURA
·         Principais características:
Perspectiva: representação, no desenho ou pintura, das diversas distâncias e proporções que têm entre si os objectos, aplicando princípios da matemática e da geometria. 
·         Realismo idealizado: o artistas do Renascimento não vêm o homem como simples observador do mundo que expressa a grandeza de Deus, mas como a expressão mais grandiosa do próprio Deus.
·         Inicia-se o uso da tinta de óleo. 

·         Tanto a pintura como a escultura (que anteriormente apareciam como parte integrante de obras arquitectónicas) tornam-se manifestações independentes e são introduzidas novas temáticas.

A Cultura do Palácio 5 - Lourenço de Médici, o Magnífico

Lourenço nasceu rico. Os Médici eram uma das famílias mais poderosas da Itália nos séculos XIV a XVI.

Deviam a sua fortuna à boa gestão dos negócios a que se dedicavam: produção artesanal, comércio e transporte de mercadorias a longa distância, câmbio de valores e outras actividades financeiras. Os seus negócios espalhavam-se um pouco por toda a Europa.

A riqueza garantia aos homens nascidos na família Médici um lugar de grande destaque na governação da cidade de Florença.

Florença foi, na época, uma das mais importantes cidades da Europa graças a um ambiente político e social dinâmico e aberto que permitiu um forte desenvolvimento económico e cultural.

Giovanni de Médici, foi o 1º membro da família a fazer  parte do governo de Florença. Foi um banqueiro próspero e generoso mecenas. Morreu em 1429.

Cosimo de Médici, o Velho, sucedeu a Giovanni, seu pai, na gestão dos negócios e no governo da cidade. Foi também um grande mecenas da Florença. Morreu em 1464.

Lourenço foi educado no palácio da família por grandes Humanistas.
Tornou-se um homem culto, eclético, sensível e sofisticado.

Governou Florença com sabedoria e tacto político.
Notabilizou-se pela prosperidade, fama e bem-estar que trouxe à sua cidade.

Desenvolveu uma política cultural notável: atraiu à sua corte poetas, pensadores e artistas; fundou tipografias, criou escolas e bibliotecas; coleccionou livros, obras de arte e objectos raros; estimulou os estudos clássicos; renovou arquitectonicamente a cidade e promoveu inúmeras celebrações particulares e públicas para as quais contratou muitos artistas de variadas artes.

Tendo ele próprio grande inclinação artística foi autor de obras literárias em verso e em prosa, de peças de teatro e de cânticos religiosos.

Apesar da popularidade que alcançou e da prosperidade que proporcionou a Florença, a acção governativa de Lourenço sofreu críticas por parte dos que condenavam a sua política de ostentação e luxo.

“Era alto, forte, quase negro de pele, sem graça e de uma fealdade admirável. (…) Tinha uma boca enormíssima, (…) uma voz rude e desagradável; no entanto a sua eloquência foi sempre decisiva. Apreciava a caça, as corridas de cavalos, os torneios, as festas carnavalescas (…). Interessava-se pela filosofia e pelas belas-artes. Em tudo aquilo em que fixasse a sua atenção, chegava aos primeiros lugares. Possuía o sentimento dos seus valores.”

A Cultura do Palácio 4 - O Humanismo e a Imprensa

O Humanismo foi a expressão literária do pensamento e dos valores dos intelectuais do Renascimento.

Os humanistas foram escritores, filósofos e professores que, animados pelo espírito novo do racionalismo, individualismo e antropocentrismo burgueses e fascinados pelo exemplo dos autores clássicos, gregos e romanos, renovaram o pensamento europeu nas letras, nas ciências e nas artes.

Os humanistas procuraram os textos originais produzidos na Antiguidade Clássica e não as versões e interpretações da escolástica medieval.

Assim, viajantes infatigáveis, pesquisaram nas velhas bibliotecas e nos scriptoria dos mosteiros em busca dos manuscritos antigos.

Platão, Aristóteles, Cícero, Tácito, Plutarco, Séneca e muitos outros, regressam nas suas formas originais em Latim clássico e Grego antigo. 

A par das línguas clássicas, os Humanistas valorizam também as línguas nacionais, nas quais se notabilizam autores que vão tornar-se imortais, como Luís de Camões (1525?-1580) e William Shakespeare (1564-1616).

Para os Humanistas admirar os clássicos não significava copiá-los, quer nos temas, quer nos géneros (literários, pictóricos…).
Imitá-los consistia, sobretudo, em recriá-los.

Os Lusíadas recriam a Odisseia de Homero, as tragédias de Shakespeare recriam as tragédias gregas de Ésquilo, Sófocles e Eurípides com espírito crítico e criativo.

A cultura clássica foi entendida como instrumento pedagógico ao serviço do desenvolvimento de capacidades intelectuais, de valores morais, do conhecimento de si próprio e do mundo envolvente: ao serviço da formação da personalidade humana.

As formas artísticas e de pensamento são constantemente recriadas e renovadas.

Optimistas em relação ao mundo, amantes da vida e da beleza, os Humanistas souberam acreditar no Ser Humano sem deixarem de acreditar em Deus, interpretando as Escrituras de forma a dar um sentido mais humano à mensagem religiosa.

Para a rápida difusão do pensamento Humanista e para o sucesso dos seus autores, muito contribuiu outra novidade desta época: a invenção da imprensa.

Correntemente atribuída a Gutenberg, a invenção da tipografia, a arte da impressão, surgiu na Alemanha por volta de 1440-50.
Levada por tipógrafos itinerantes em busca de mecenas para a sua arte, a imprensa abrangeu, neste período, toda a Europa Ocidental.

O primeiro livro totalmente impresso saiu na Alemanha, cerca de 1456-58; em Paris cerca de 1470; em Nápoles cerca de 1471;  em Cracóvia cerca 1474; em Portugal cerca 1494… em 1480 eram 110 as cidades europeias com oficinas tipográficas instaladas. Em 1500 eram já 236. A partir daí a imprensa não parou de se expandir.

A valorização da experiência enquanto fonte de conhecimento, da Razão e do espírito crítico (e não apenas o saber livresco e teórico) no processo de descoberta do Ser Humano e do Mundo (Universo) proposto pelos intelectuais do Humanismo é a base da consciência da modernidade.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A cultura do palácio 3 - Ser um artista

O novo espírito renascentista foi também impulsionado pela redescoberta da cultura clássica (greco-romana) adoptada por oposição à cultura medieval.

A própria imagem social do artista se alterou por completo.
Os artesãos medievais, criadores anónimos, simples instrumentos de Deus, reflexos da Sua vontade, dão lugar a um novo tipo de artista: um intelectual, dotado de particular talento técnico, capaz de raciocinar e criar novas formas e complexas soluções narrativas.

Em suma: o artista do Renascimento é um criador e não mero reprodutor de formas predefinidas.

A concepção da arte como ciência, contribuiu para que alguns artistas fossem capazes de fazer valer as suas capacidades identitárias (individualismo).

A partir desta época grande parte das obras de arte passam a ser assinadas e o artista a ser reconhecido publicamente. Os mais populares tornaram-se verdadeiras celebridades e a sua fama chegou até aos dias de hoje.

O reconhecimento público das capacidades individuais dos artistas elevou o seu estatuto social. O artista deixa de ser olhado como um trabalhador braçal, equivalente a um pedreiro ou um carpinteiro, agora é visto como um trabalhador intelectual especializado e passa a conviver com as elites sociais.

Frequentam as cortes, contactam com escritores, filósofos e cientistas, nobres e príncipes, burgueses abastados, que os patrocinam e para cuja glória contribuem as suas criações artísticas.

Verdadeiramente admirável e celeste foi Leonardo (…). O seu raciocínio era de grande vigor (…); exprimia tão bem o seu pensamento que dominava pela argumentação e confundia pelo discurso as mais vigorosas inteligências. Inventava sem cessar projectos e modelos (…). A sua conversa era tão agradável que atraía a simpatia; quase sem fortuna e trabalhando regularmente, teve sempre servos, cavalos de que muito gostava e todas as espécies de animais de que se ocupava com interesse e paciência infinitos. Conta-se que, passando no mercado de pássaros, libertava-os da gaiola, pagava o preço pedido e deixava-os voar para lhes restituir a liberdade perdida.

Giorgio Vasari, Elogio a Leonardo da Vinci, em Vidas


Fazendo renascer o esplendor do mundo clássico, a arte do Renascimento foi racional e científica, procurando reproduzir a Natureza ora de forma tecnicista e rigorosa, ora de forma intelectualizada e ideal.

A Cultura do Palácio - 2 (mudam-se os tempos, mudam-se as vontades*)

*Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
 
Luís de Camões





Muitos fatores nos ajudam a compreender que nesta época se tenham verificado tão grandes transformações.

O renascer do mundo urbano e o declínio do Feudalismo geraram um maior dinamismo comercial e económico.

A burguesia viu nas trocas comerciais internacionais uma forma eficaz de enriquecimento. Este facto impulsionou o comércio marítimo, primeiro no Mediterrâneo, depois na exploração das rotas marítimas intercontinentais.

Em finais do século XV e início do século XVI, num curto espaço de 30 anos, tudo muda.
Em 1492 Colombo chega às Antilhas  e logo depois à América
Em 1498 Vasco da Gama dobra o Cabo da Boa Esperança e dirige-se à Índia.
Em 1500 Cabral chega ao Brasil.
Em 1519 Cortez desembarca no México.
Em 1522 as naus de Fernão de Magalhães concluem a 1ª viagem de circunavegação.

As viagens dos descobrimentos foram de extraordinária importância:
·         -abriram as portas a um grande intercâmbio cultural;
·        - animaram o espírito de aventura e o fascínio pelas grandes viagens;
·        - as nações europeias puderam construir um comércio à escala mundial que foi decisivo para o seu enriquecimento e desenvolvimento a todos os níveis;
·       -  revelaram a verdadeira forma e dimensão do Globo Terrestre;
·       - proporcionaram novos saberes baseados na observação e na experiência vivida;
·       - permitiram novos conceitos sobre o Ser Humano e a sua existência.

Um conjunto de factores favoráveis contribuiu para que o Renascimento se desenvolvesse tendo como ponto de partida a Itália:
-O país encontrava-se dividido em repúblicas oligárquicas e não em senhorios feudais;
-A economia apoiava-se no desenvolvimento agro-artesanal e no domínio do comércio internacional através do Mar Mediterrâneo, bem como em atividades de especulação financeira (bancos).
-Um sistema social mais flexível que permitiu muito cedo, a ascensão da classe burguesa a posições de liderança política e social.


Organizada em poderosas  famílias – algumas das quais controlavam o poder político dentro das suas cidades (Os Médicis  em  Florença, os Ferrara em Este, os Strozzi em Milão…) a burguesia italiana impôs-se à aristocracia. Criou um estilo de vida baseado não só na riqueza e no luxo, fruto do seu trabalho, mas também na formação intelectual, literária e artística que esteve na base da ideia do “Novo Homem” - o homem completo ou total que viria a tornar-se emblemático do Renascimento.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Cultura do Palácio - 1 - Renascimento

O período que vamos analisar é designado por Renascimento.

Esta designação foi sobretudo utilizada pelos historiadores do século XIX para ilustrar a evolução das mentalidades e da cultura europeia na transição da Idade Média para a Idade Moderna.

Idade Moderna:
Período da História que sucede à Idade Média. Convencionalmente começa  com a queda do Império Bizantino (Império Romano do Oriente) em 1453 e termina com a Revolução Francesa em 1789.

Esta revolução caracterizou-se pela passagem progressiva de um pensamento teocêntrico, característico da Idade Média, para uma mentalidade antropocêntrica.
A transição da cultura medieval para a moderna é frequentemente vista como a passagem de uma perspectiva filosófica e cultural centrada em Deus (teocentrismo) a uma outra, centrada no homem (antropocentrismo).

Esta transição (teocentrismo/antropocentrismo) resultou de uma renovada crença do Homem nas suas capacidades.
Esta transformação deveu-se à redescoberta do espírito crítico característico da Antiguidade Clássica o que conduziu o pensamento europeu para um crescente racionalismo.

racionalismo é uma corrente filosófica que se caracteriza pela definição do raciocínio como uma operação mental, discursiva e lógica, que dá prioridade à razão como o caminho para se alcançar a verdade.

Verificou-se uma crescente curiosidade e vontade de saber o que gerou, nas ciências, as bases do conhecimento científico moderno baseado na experiência e na verificação de resultados.

Na arte desenvolveu-se o gosto pela representação do ser humano e da paisagem através do realismo técnico e da pormenorização.

Surgiu uma concepção mais pragmática  e profana da vida, que valorizou o Humanismo e o Individualismo.

Humanismo – Movimento cultural renascentista (filosófico, literário e artístico) que se interessa fundamentalmente pelo Ser Humano; valoriza as suas características e potencialidades.

Individualismo – corrente doutrinal e prática que defende, para cada ser humano,  a concretização das suas características próprias e valoriza o papel do indivíduo na evolução das sociedades e da História.







quinta-feira, 28 de maio de 2015

7- Autos e farsas (módulo 4)

A definição de auto é problemática já que, na época medieval, o vocábulo foi tomado como sinónimo de qualquer peça de teatro. Um auto poderia denominar uma farsa, uma moralidade, um mistério, um milagre, uma tragicomédia etc.

O auto seria, na maior parte das vezes, um espectáculo de curta duração.
A temática tanto poderia desenvolver um assunto religioso quanto um assunto profano.

Na sua origem, os autos estiveram relacionados, sobretudo, com a encenação de “quadros edificantes tirados da Bíblia, sendo os mais antigos os autos de Natal e de Páscoa”

Encenados, de início, no interior dos templos religiosos, depois, junto às suas portas de entrada e pátios, só posteriormente a representação dos autos passou a acontecer em espaços menos “sagrados”, como as feiras, os mercados e as praças públicas.
É nesses cenários, que os autos constituem um género dramático de feição nitidamente popular.
Saindo da esfera da igreja, é normal que os autos também começassem a tratar de assuntos mais profanos.

Os autos não separavam com nitidez temas religiosos e profanos.
Havia dramatizações nas quais eram misturados elementos sagrados e seculares, cómicos e devocionais.

A dramaturgia de Gil Vicente (1465?-1537?), pretenderia “ligar-se à busca de compatibilização do riso, da alegria e da naturalidade com a fé” 
As personagens dos autos são pouco complexas. Podemos considerá-las enquanto tipos ou caricaturas.

Muito do humor dos autos é conseguido pela tipicidade das personagens evidenciada pelo seu aspecto, pela sua linguagem e pela sua atitude física.
Existe espaço ainda para personagens alegóricas.

O cenário, quando existia, era extremamente simples. Poucas eram as marcações teatrais dos textos.

A farsa é uma categoria genérica que engloba peças curtas, normalmente num só acto e, a maior parte das vezes, sem divisão cénica.


Queres consultar a versão completa do texto acima utilizado? clica aqui

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Recuperação do Módulo 3

O Drama Litúrgico – Trabalho individual – Recuperação do Módulo 3

Nome__________________________________ nº___

1.Explica o que entendes por “Drama Litúrgico”.
(Mínimo 5 linhas, máximo 15 linhas)


2. A evolução cultural dá-se através da recuperação de formas antigas (clássicas ou populares) que são adaptadas a novas realidades, a cultura não é estática nem definitiva.
Comenta a afirmação anterior. Justifica, com argumentos válidos, os teus pontos de vista.
(Mínimo 5 linhas, máximo 10 linhas)

6 - Mistérios e representações sagradas (módulo 4)

A instituição teatral que desaparecera na Alta idade Média, volta a ganhar forma ao longo do século XIII.

Espectáculos variados, uns com fundo religioso e moral (moralidades e milagres), outros profanos (farsas) começam a ser representados em pequenos palcos.
Muitas vezes, estes espectáculos, são promovidos por grupos  amadores ou associações de diversas origens.

A partir do século XIV muitas cidades chamam a si a responsabilidade de promover (organizar e pagar) um teatro de carácter celebrativo.
Estes espectáculos aconteciam em ocasiões especiais principalmente de carácter festivo e religioso.

Estes espectáculos são geralmente designados pelo termo “mistérios”.

As primeiras “representações sagradas” encenadas fora das igrejas e sem nenhum vínculo à cerimónia litúrgica, foram dirigidas por clérigos e mantinham uma certa ligação com o recinto sagrado.

O Mistério é uma forma de teatro cristão que encena e dramatiza as Sagradas Escrituras e a vida dos santos cruzando estas narrativas com cenas e situações da vida quotidiana.

Muitas vezes, os Mistérios eram representados no espaço defronte à igreja que funcionava, ela própria, enquanto cenário simbolizando as portas do Paraíso ou o próprio paraíso.

O significado mais importante destas representações está na sua visualização da história sagrada.
Para os católicos da Idade Média, estas narrativas continham, tal como as populares Biblia Pauperum, tudo o que eles precisavam de saber.

Eram representações onde, tanto as histórias gloriosas do Antigo Testamento ou da vida de Cristo, como vulgares cenas de taverna, se representavam com idêntica intensidade e realismo.
Havia uma íntima relação entre o facto histórico divino e os acontecimentos meramente humanos, uma mistura do sagrado com o profano.

A representação dos Mistérios devia manter-se sempre num tom humilde, embora forçado na expressão dos sentimentos.
Certamente prevalecia uma mímica intensa e sem complexos, gesticulação não só com braços e rosto mas com todo o corpo.
Existem descrições de violentas expressões de dor de Adão e Eva que se atiram ao chão batendo com o peito e as coxas.

Ao que parece, a visualização da narrativa sagrada terá sido o aspecto mais importante dos Mistérios. Pelo menos tão importante quanto a dramatização.
Isto porque há notícia de muitas representações que consistiam em quadros vivos e mudos.
A compreensão do significado narrativo destes quadros podia ser auxiliada por cartazes que tanto podiam descrever a situação como conter as palavras de uma personagem.

Tratar-se-ia de simples quadros vivos, Mistérios sem palavras nem movimento, como se diz a propósito de uma representação em Paris no ano de 1424.


Isto mostra a importância do aspecto ilustrativo e uma certa predilecção pelo espectacular, característicos dos Mistérios medievais.

5 - Cultura Cortesã (módulo 4)

O renascimento das cidades criou também uma nova cultura popular, mais profana e humanista, que se fez notar primeiramente nas cidades. Foi uma cultura essencialmente oral, gerada nas muitas festas e romarias que nessa época se organizavam.

A época gótica conheceu uma suavização dos costumes e das mentalidades, facto para o qual a Igreja muito contribuiu, instituindo um novo código de cavalaria, que fazia do guerreiro um paladino da paz e da justiça, em nome de Deus.

Os grandes e poderosos da época, nobres e eclesiásticos, cultivaram o conforto e o luxo (na habitação, no vestuário e na mesa) a par do prazer e da diversão.

Praticavam-se jogos guerreiros (justas, torneios e caçadas), que mantinham a actividade física e das armas em tempo de paz, e faziam-se saraus nos palácios, com banquetes, bailes, declamação de poesia, sempre acompanhada por música e representações teatrais.

Nos meios cortesãos* começaram a gerar-se novas regras sociais, pautadas por uma apresentação física mais cuidada e pela maior civilidade e cortesia no falar e no agir

*Cortesão
adj. e s.m. Que ou aquele que pertence à corte; palaciano; Adj. Gracioso nas maneiras e palavras, delicado, elegante. S.m. Aquele que procura agradar com lisonjas e adulações. / Homem cortês e afável.
Cortesia
s.f. Maneiras delicadas, urbanidade, civilidade, polidez, afabilidade: receber com cortesia. / Saudação, cumprimento respeitoso; mesura. // Fazer cortesia com chapéu alheio, mostrar-se pródigo à custa de outrem.

4 - A Catedral (módulo 4)

A catedral foi, nesta época, o símbolo das cidades e o motivo de orgulho dos seus habitantes que participavam activamente na sua construção.

Os mais pobres participavam como artesãos ou serventes de vários ofícios, ofereciam a força do seu trabalho. Os mais ricos (reis, bispos, nobres, mestres das corporações e grandes mercadores) contribuíam com doações em dinheiro, ofereciam a sua riqueza.

A catedral era obra de todos, expressão da comunidade que se revia na sumptuosidade e beleza do edifício, como se este fosse o reflexo da sua vitalidade.


A catedral representava o poder político-religioso de reis, bispos e dos senhores das cidades, os burgueses mais abastados e influentes.


Nesta época desenvolvem-se e aplicam-se novos métodos construtivos, de acordo com as intenções dos criadores das catedrais que hoje conhecemos pela designação de estilo gótico.

Um imenso espaço interior, elegância e luminosidade: a catedral gótica é a nova casa de Deus.

3- Cidades Medievais (ou burgos) - algumas notas (módulo 4)

As cidades medievais (ou burgos) eram sempre espaços fechados, rodeados por muralhas. As suas portas eram vigiadas por forças armadas e fechadas durante a noite. A partir do século XII, o crescimento das populações fez transbordar os velhos burgos que se expandiram para fora das muralhas.

Na maior parte das cidades medievais o urbanismo era bastante confuso. Estava dependente da topografia da zona e da localização de edifícios importantes como as catedrais, os palácios urbanos ou as sedes das Corporações.

Estes edifícios localizavam-se normalmente em torno de grandes espaços livres – as praças – a partir das quais se rasgavam as ruas onde se situavam as casas de habitação. Estas ruas, estreitas e tortuosas, iam desembocar nas portas das muralhas.

As praças ocupavam um lugar de destaque. Eram os centros da vida quotidiana. Aí se instalava o pelourinho (símbolo da autoridade pública), o mercado e também se realizavam as festas e os actos importantes da vida do burgo.


A cidade era um mundo barulhento e fétido, pois a maior parte das casas era de madeira e colmo, sem água canalizada nem saneamento básico. Estas condições tornavam-na insalubre e facilitavam a ocorrência de incêndios e outras calamidades urbanas. (ver "A Peste Negra")

2- A Peste Negra

Peste negra é a designação pela qual ficou conhecida, durante a Idade Média, a pandemia* de peste bubónica que assolou a Europa durante o século XIV e dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas (este número representa um terço da população da época).

*pandemia
(grego pandemía, -as, o povo inteiro)
s. f. Surto de uma doença com distribuição geográfica muito alargada.

Trazida do Oriente, teve o seu primeiro porto de entrada em Messina, na Itália, através dos barcos de comércio.

O portador da doença terá sido a pulga do rato preto, originário da Ásia.
As pessoas infectadas (por picada ou por via oral) manifestavam sintomas invulgares que começavam por pequenas manchas negras à volta de cada picada de pulga, gânglios inflamados no pescoço, nas axilas e nas virilhas, febres altas, calafrios e enjoos.
A progressão da doença era de tal ordem que, num ou, no máximo, em dois ou três dias, o doente morria.

Uma das maiores dificuldades era dar sepultura aos mortos: 
“Para dar sepultura à grande quantidade de corpos já não era suficiente a terra sagrada junto às Igrejas; por isso passaram-se a edificar igrejas nos cemitérios; punham-se nessas Igrejas, às centenas, os cadáveres que iam chegando; e eles eram empilhados como as mercadorias nos navios".

Em Avignon, na França, vivia Guy de Chauliac, o mais famoso cirurgião dessa época. Ele sobreviveu à peste e deixou o seguinte relato:
“ A doença era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra;
o pai não ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por completo".
E continua:
“Não se sabia qual a causa desta grande mortandade. Em alguns lugares pensava-se que os judeus haviam envenenado o mundo e por isso os mataram”.

“No ano do Senhor de 1349 (…) Os vivos mal chegavam para enterrar os mortos (…)
Mas, coisa temerosa de ouvir, os cães, os gatos, os galos e as galinhas e todos os animais domésticos sofriam a mesma sorte. (…)
A este mal acrescentou-se outro: correu o rumor que certos criminosos, particularmente judeus, deitavam nos rios e nas fontes venenos que faziam engrossar a peste.
Por isso, tanto cristãos como judeus inocentes foram queimados, mortos, quando é certo que tudo aquilo provinha da constelação ou de vingança divina.”

Papa Clemente VI, Prima Vita

“Digamos antes de mais que a causa longínqua e primeira deste peste foi e é ainda alguma constelação celeste (…) a qual conjunção dos astros, com outras conjunções e eclipses, causa real da corrupção mortífera do ar que nos rodeia, pressagia a mortalidade e a fome.
Não podemos deixar de dizer que, quando a epidemia procede da vontade divina, não temos outro conselho a dar que o de recorrer humildemente a essa vontade, sem desprezar contudo as prescrições do médico.”

Opinião emitida na época pela Faculdade de Paris

Outras reacções irracionais foram as manifestações de expiação que se multiplicaram um pouco por todo o lado.
Em 1349, pelo São Miguel, mais de 600 homens vieram da Flandres a Londres (…) onde se mostravam solenemente duas vezes por dia, vestidos somente da cintura aos tornozelos (…).
Cada um tinha na mão direita um chicote com 3 pontas e, em cada uma delas, um nó com pregos aguçados. Marchavam em fila e batiam os seus  corpos nus e em sangue (…).”

R. d’Avesbury, Vida de Eduardo III

Os médicos e os farmacêuticos desconheciam as causas da doença e não sabiam como tratá-la.
Julgavam que se estivessem totalmente vestidos, com luvas, botas e uma máscara, semelhante à cabeça de uma ave, estariam imunes.

Prevenção
Evitar o contacto com roedores e erradicá-los das áreas de habitação é a única protecção eficaz. O vinagre foi utilizado na Idade Média, já que as pulgas e as ratazanas evitam o seu cheiro.
A peste é de comunicação obrigatória às autoridades.

Tratamento
Os antibióticos revolucionaram o tratamento da peste, tornando-a de agente da morte quase certa em doença facilmente controlável.


A Europa só viria a recuperar desta depressão no início do século XV devido ao maior dinamismo produtivo da Itália e da Flandres e, posteriormente, à abertura marítimo-comercial feita por portugueses e espanhóis. 

A Cultura da Catedral 1- Aspectos gerais - Módulo 4

No século XII, a Europa feudal conheceu um lento crescimento económico.
O desenvolvimento das técnicas e processos agrícolas permitiram uma produção excedentária o que levou a um crescimento demográfico com vantagens para as condições de vida da população.

A indústria e o comércio voltaram a desenvolver-se e deu-se o reaparecimento das feiras que impulsionaram o crescimento das cidades.

Tudo isto contribuiu para o aparecimento de uma economia de mercado, onde a circulação da moeda, a movimentação dos produtos e o poder de compra, especialmente da elite aristocrática, permitiram o nascimento de uma economia monetária e capitalista.

É neste contexto que surgem os cambistas e os bancos privados que, com várias filiais em diferentes países, recebiam depósitos, faziam empréstimos, realizavam operações de câmbio (cheques e letras), que facilitavam as trocas comerciais e evitavam o transporte de moeda.

Esta expansão capitalista provocou grandes alterações sociais e políticas. A burguesia (os habitantes dos burgos ou cidades) cresceu, tornou-se mais culta e procurou deliberadamente o lucro e o enriquecimento.

Os burgueses uniram-se em organismos profissionais – as corporações ou mesteres de artes e ofícios para os artesãos e as guildas ou hansas, para os comerciantes.
Os reis encontraram na burguesia um importante aliado. Concederam às suas organizações estatutos jurídicos próprios em troca do apoio dos burgueses à centralização do seu poder.

A esta emancipação da burguesia juntou-se a emancipação das próprias cidades que se libertaram do poder dos senhores feudais.

Apoiando habilmente a luta da burguesia contra a aristocracia, a pessoa do rei aliou-se à igreja e impôs o seu papel de herdeiro e representante de Deus na Terra, de garante da paz pública, de centralizador do poder político e administrativo e de juiz - foi o despertar da realeza.

As sociedades europeias da época organizaram-se sob diferentes regimes políticos: monarquias hereditárias (reinos de Portugal, Leão, Castela, França, Inglaterra…), estados teocráticos (Sacro Império Romano-Germânico, Estado Papal), principados e repúblicas governados por elites aristocráticas ou burguesas na Itália e as cidades-Estado do norte da Alemanha e da Holanda.

Mas o crescimento da Europa medieval conheceu períodos de grandes dificuldades. Vários factores contribuíram para uma séria recessão económica em meados do século XIV (alteração dos preços dos cereais, crescimento urbano desequilibrado e consequentes fomes).

A tudo isto se acrescenta a Guerra dos 100 anos, o primeiro conflito generalizado em solo europeu que opôs a França e a Inglaterra, cada uma apoiada por diferentes reinos espalhados pela Europa (Portugal foi aliado da Inglaterra).

Mas foi a Peste Negra, trazida do Oriente, que provocou a maior quebra demográfica pois matou entre um terço a metade da população europeia. Provocou o pânico que, a par das guerras e da desorganização produtiva esteve na base de inúmeras revoltas populares.


quarta-feira, 18 de março de 2015

4- O Drama Litúrgico (módulo 3)


O Drama Litúrgico*
significado de *Liturgia
s.f. A reunião dos elementos ou práticas que, regulamentados por uma igreja ou seita religiosa, fazem parte de um culto religioso.
Conjunto dos modos usados no desenvolvimento dos ofícios e/ou sacramentos; rito ou ritual.
Catolicismo. Segundo as ciências eclesiásticas, a história do culto católico.
P.ext. Também se pode referir à missa; a própria missa.

Pensa-se que os rituais litúrgicos estejam na origem das representações cénicas.
Estas representações, desfiles, poemas cantados (ditirambos) e danças estavam ligadas ao sagrado.
O desenvolvimento do teatro grego conferiu a tais representações um carácter  mais ligado à reflexão sobre as grandes questões da existência humana (tragédia) bem como à observação crítica da vida quotidiana (comédia).

Como vimos anteriormente, a igreja católica tentou limitar ao máximo o fenómeno teatral  considerando-o inapropriado e mesmo obra de forças diabólicas.
Tal como aconteceu como outras formas de manifestação artística ( arquitectura, a escultura, a pintura, a música, a literatura) a Igreja viria a apropriar-se da linguagem teatral, integrando-a  na sua estratégia de comunicação e difusão da Palavra de Deus.

A Palavra de Deus é pronunciada no decorrer de cerimónias encenadas com rigor e extrema precisão.
No espaço interior da casa de Deus existem regras de comportamento estritas para os fiéis que vão assistir e participar do ritual litúrgico.

Ao longo da Idade Média a celebração ritual que poderemos designar por missa não previa a participação (nem sequer a compreensão) do povo leigo.
Embora o povo assista à liturgia e se identifique com os monges que participam nos rituais, não tem participação directa na acção e muito menos compreende o que é dito pois não domina o latim.

Ao longo do século X terão sido introduzidas inovações nos rituais litúrgicos.

Em determinadas ocasiões, os monges passaram a incluir na celebração religiosa uma espécie de ilustração dramática de certas cenas do Evangelho, introduzindo diálogos no texto cantado ou dito pelos padres e monges.


A mais antiga terá sido o Quem Quaeritis, cujas falas são extraídas directamente dos textos evangélicos. Este episódio descreve a visita de 3 mulheres ao sepulcro de Cristo, que encontram vazio. Surge um anjo (ou anjos, as descrições da cena admitem diferentes situações) que lhes anuncia a ressurreição.
-          Quem procurais no sepulcro, cristãs?
-           Jesus Nazareno crucificado, oh celestes.
-           Não está aqui. Ressuscitou como havia profetizado. Ide e anunciai que ressuscitou.

Esta acção era interpretada por dois coros diferentes: um que interrogava (as 3 Marias) e outro que respondia (os anjos).
Mais tarde 3 clérigos* assumiam os papéis das mulheres e um sacerdote representava o anjo.

Significado de *Clérigo
s.m. Sujeito que faz parte da classe eclesiástica; aquele que alcançou as ordens sacras; cristão que exerce o sacerdócio.

O desenvolvimento destes motivos gerou verdadeiras representações dramáticas, definidas como “dramas litúrgicos” uma vez que estavam ligados ao ritual do qual eram uma extensão e um momento específico.

Frequentemente eram os padres que representavam o drama, intercalando a acção com o ritual da missa. Assim, o drama litúrgico utilizou o espaço da igreja como palco, a igreja como local onde se desenrola um grande espectáculo sagrado.

Tal como a missa, o drama litúrgico também podia concentrar-se numa pequena parte da igreja ou apoderar-se dela no seu conjunto e percorrê-la, em procissão, de uma ponta à outra.
Nas suas formas mais simples o drama litúrgico desenrolava-se num único centro de referência, geralmente no altar, ponto principal da planta da igreja à semelhança da basílica romana (ver Arte em Roma – algumas notas soltas, módulo 2).

O gesto assume valor simbólico e representativo.
O gesto e a acção têm uma importância equivalente à da palavra.
Todos estes elementos carregam significado. Cabe ao espectador aprender a interpretá-los isoladamente e no seu conjunto.
Este processo irá complexificar-se e ganhar características específicas.
Vão surgindo novos temas e narrativas.

A narração dos episódios bíblicos vai ganhando complexidade seja em termos narrativos, com maior continuidade e interacção dramática entre as personagens, seja em termos espaciais, ocupando diferentes espaços e ganhando adereços simbólicos.

A evolução cultural dá-se através da recuperação de formas antigas (clássicas ou populares) que são adaptadas a novas realidades.
A cultura não é estática nem definitiva.

A cultura transforma-se e adapta-se.

quarta-feira, 4 de março de 2015

3 - Mimos e Jograis (módulo 3)


O teatro da Antiguidade, tal como o descrevemos nos módulos anteriores, é destruído pela queda do Império Romano.

Nos mosteiros continuava-se a copiar as comédias e as tragédias da tradição clássica. Estes textos eram lidos mas não representados.

Na Alta Idade Média a ideia de teatro torna-se indefinida e nebulosa.
O teatro representado em grandes anfiteatros em ocasiões festivas, com numerosa assistência e grupos de actores específicos, deixa de existir.

Surgem numerosos profissionais que se dedicam a actividades relacionadas com as artes da representação.
São herdeiros directos dos mimos e dos actores que conhecemos em Roma.
As designações que os classificam são muito variadas (joculatores, mimi, scurrae, e ainda menestriers e trobadours, isto é: menestréis e trovadores).

menestrel 
1. Poeta medieval.
2. [Figurado]  Cantor e músico ambulante.
Plural: menestréis.

No entanto, a designação mais difundida e que mais contribui para criar uma imagem próxima daquilo que entendemos por actor será a do joculator (bobo, jogral) palavra que tem a sua raiz em jocus, jogo.
Esta ideia traduzirá também o conceito de acção teatral e de actor noutras línguas : spiel-spieler em alemão, play-player em inglês.

jogral
substantivo masculino
Truão, bobo; histrião.

A história dos jograis e dos actores em geral, ao longo de toda a Idade Média, é a história da sua condenação pela Igreja Católica que travará uma longa luta contra o teatro ao longo de séculos.

Compreende-se esta luta se tivermos em conta a revolução cultural protagonizada pelo cristianismo primitivo com a negação absoluta da cultura clássica, da qual o teatro era considerada a expressão mais mundana e diabólica.

mundano
(latim mundanus, -a, -um)
adjectivo
1. Próprio do mundo.
2. Profano.
3. Falta de moral, de comedimento.
4. Não virtuoso.
5. Dado aos prazeres do mundo.
substantivo masculino
6. Pessoa que aprecia as visitas, a sociedade, a convivência.

O cristianismo admite, sugere mesmo, reprimir a natureza, limitando a satisfação dos desejos e das necessidades para humilhar a carne.
Mas não admite que se possa alterar a natureza na medida em que, enquanto obra de Deus, é sublime e perfeita.

As condenações baseavam-se essencialmente em 3 constatações:

O jogral é vagabundo. Normalmente anda de terra em terra.  Não encena o seu espectáculo num lugar determinado, oferece-o.
Tanto representa em qualquer lugar onde se reúna um grupo de pessoas, como entra nas casas, principalmente nas casas dos ricos (que podem pagar os seus serviços) onde alegram os banquetes ou até mesmo dos camponeses por ocasião de casamentos ou baptizados.

O jogral é vão, pois a sua arte é vazia de conteúdo artístico e nada produz de útil. Para os padres da igreja o divertimento é perigoso e inútil e contrário à seriedade do estudo e da catequese.
Os textos (quando os há) apresentam-se paródicos e invertem os valores espirituais da Igreja.

O jogral é um fingidor. Desvirtua a imagem natural. O trabalho do actor que transfigura o seu corpo é considerado um pecado equivalente ao da mulher que se maquilha, ao luxo exagerado, às práticas anticoncepcionais, à sodomia e à investigação científica, práticas e  transformações da natureza consideradas diabólicas.

Assim, a condenação do fingimento, diz respeito a todo o tipo de disfarces os quais podemos considerar, de um modo geral, teatrais e também às festas populares, principalmente a grande festa carnavalesca.
A igreja condena o disfarce que, contra a natureza, transforma o homem em mulher e a mulher em homem e ambos em animais (pela cedência a todos os excessos e tentações).


O excesso de gesticulação e de vocalidade parece ter sido a marca estilística dos jograis, contorcionistas, cantores, acrobatas, ilusionistas, exibicionistas de animais amestrados, ou mimos medievais.

Mas os jograis também eram profissionais da palavra significante, ao contrário do que pensavam os moralistas. Principalmente da palavra crítica e narrativa.

Pagos muitas vezes para difamar, os jograis são o espírito crítico da sociedade. Os camponeses são o alvo preferencial da sua fácil e violenta ironia para divertimento dos mais ricos.
Além disso a sátira tinha também uma função informativa e o jogral desempenhava, um pouco, o papel de jornalista.


Distinguem-se 3 tipos de jograis:
Os que transfiguram os seus corpos com gestos e saltos abjectos, tirando ou pondo máscaras horríveis;
Os  que divertem as cortes dos poderosos dizendo mal ou gozando com os ausentes;
Os que compõem canções para celebrar os feitos grandiosos dos príncipes e  dos santos.
Estes últimos são verdadeiros cantores populares e, de certo modo, tolerados pela Igreja quando o seu trabalho é considerado digno e respeitoso da moral.