sexta-feira, 27 de março de 2009

Sobre a arte de ver




O texto que a seguir se publica foi retirado do Blogue @ Dis-cursos de Ju Gioli. Para ler e reflectir.


A Complicada arte de ver por Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: 'Acho que estou ficando louca'. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. 'Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.'Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as 'Odes Elementales', de Pablo Neruda. Procurei a 'Ode à Cebola' e lhe disse: 'Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver'.

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: 'A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê'. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: 'Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra'. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.'Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios', escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada 'satori', a abertura do 'terceiro olho'. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: 'Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram'. Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, 'seus olhos se abriram'. Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em 'Operário em Construção': 'De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção'.A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: 'A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas'.

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar 'olhos vagabundos'...

O texto acima foi extraído da seção 'Sinapse', jornal 'Folha de S.Paulo', versão on line, publicado em 26/10/2004

quarta-feira, 25 de março de 2009

Apontamentos da aula sobre Arte Nova


Nas décadas de transição para o século XX, as sociedades europeias viveram um momento particularmente feliz que a História apelidou de Belle Époque.

Foi este ambiente que instalou o Modernismo*, um movimento cultural e artístico marcado pela ruptura com a tradição na procura de novas formas de expressão que estivessem de acordo com os novos gostos das sociedades ocidentais, agora marcadas pela industrialização e pelo consumo característico do capitalismo burguês.

*Modernismo: designação atribuída às correntes de vanguarda que nos finais do séc.XIX surgiram na Europa e na América nos campos da criação artística em geral. Caracteriza-se pela sua oposição às artes académicas tradicionais e pela busca de inovação, acompanhando o desenvolvimento tecnológico e científico do seu tempo.

O gosto da época haveria de privilegiar a sensibilidade e a fantasia simbolista bem como o refinamento estético e a imaginação exacerbada, numa clara preferência pelo decorativo e pelo pitoresco.

O grande estilo que integrou este movimento foi a Arte Nova (desde cerca de 1880-90 até 1905-14).
Os contemporâneos deste estilo preferiram a expressão “arte moderna” ou “estilo moderno”, assim exprimindo o forte desejo que tinham de ver nascer um estilo de vida consentâneo com as exigências do seu tempo.

A designação Arte Nova exprime simultaneamente o carácter internacional do movimento e a recusa dos estilos históricos

O rótulo Arte Nova abarcou diferentes cunhos individuais, diferentes escolas nacionais ou regionais e diferentes designações.
Art Nouveau, na Bélgica.
Jugendstil, na Alemanha
Sezession, na Áustria
Liberty ou Floreale, em Itália
Modernismo, em Espanha

Nas declarações dos criadores e dos críticos, a Arte Nova surge como a manifestação de uma vontade muito firme de criar um estilo radicalmente novo, que recusa em absoluto as formas oriundas dos estilos históricos (neogótico, neo-renascentista…)

Assim podemos considerar a inovação formal (inspiração na natureza); a integração e recurso às novas técnicas e aos novos materiais (ferro, vidro, betão, ladrilhos cozidos, outros…) e a adopção de uma nova estética que se expressa através de linhas sinuosas e dinâmicas, na procura do movimento e do ritmo num claro intuito decorativo, como marcas distintivas desta Arte Nova.

O conceito de Arte Total é característico da Arte Nova, abolindo a discriminação entre artes maiores e artes menores. Este princípio tem origem na concepção do papel social e económico da arte exposto pelo conde Léon de Laborde no seu relatório da Exposição Universal de Londres de 1851 (no Palácio de Cristal de Paxton): “A arte não é aristocrática nem popular, não é industrial nem essencialmente superior. A arte é só uma.”
As características gerais da Arte Nova foram utilizadas indistintamente em várias tipologias de arquitectura urbana (prédios da arrendamento, hotéis, bancos, edifícios públicos, teatros e museus…) com particularidades diversas consoante os países e os arquitectos que as aplicaram.


De um modo geral é possível estabelecer duas tendências:
A que, aplicando os novos materiais e os modernos sistemas construtivos colocou a tónica na estética ornamental, floral e curvilínea.

E a que seguiu uma vertente mais racional e foi sobretudo estrutural, geométrica e funcionalista, sem contudo abandonar o ornamento, que tratou de forma mais contida, planimétrica ou abstractizante.

O primeiro foco de arquitectura da Arte Nova foi a Bélgica, sobretudo em Bruxelas onde surgiram dois arquitectos de renome desta arte.

Victor Horta (1861-1947)
Henry van de Velde (1863-1957)
Pintor de formação foi também arquitecto, professor, teórico, decorador e, sobretudo, designer.
As peças de mobiliário que desenhou são, ainda hoje, exemplos de rigor formal, funcional e estético.

Semelhante à belga nas preocupações, na forma e no ornamento, foi a Arte Nova francesa onde se destacou Hector Guimard.

Ligado às “escolas” belga e francesa pelo sentido escultórico e ornamental está o Modernismo catalão do qual foi expoente máximo Antoni Gaudí (1852-1926)

Em Glasgow, na Escócia, evidenciou-se Charles Rennie Mackintosh (1868-1828)
Desenvolveu uma arquitectura assente em estruturas ortogonais de ferro, com paredes lisas de pedra e grandes superfícies envidraçadas. Volumes geométricos, interiores deslocáveis e decoração contida.
O trabalho decorativo e as peças de mobiliário reflectem essa linguagem plástica racional, estrutural e geométrica.

O trabalho de Mackintosh teve impacto decisivo na Áustria onde havia surgido o grupo da Secessão Vienense. Pretendiam lutar contra os revivalismos promovendo a inovação.

A mais estruturalista das arquitecturas modernistas foi a que se desenvolveu na chamada Escola de Chicago. Um grupo de jovens arquitectos americanos renovou o centro da cidade que havia sido destruído por um incêndio em 1871 desenvolvendo uma arquitectura nova que lançou as raízes do nosso século.
Liderados por Louis Sullivan (1856-1924) estudaram e aplicaram novos sistemas de alicerçamento, cimentação, resistência e isolamento.
Os critérios formais assumiram um papel essencial. A divisa de Sullivan foi: “A forma segue a função”.
Apontamentos adaptados a partir do manual e do ABCdário do Simbolismo e da Arte Nova, editado com o jornal Público

quinta-feira, 12 de março de 2009

Pós-Impressionismo - notas


Nos anos cerca de 1885, dá-se na França uma transformação decisiva no pensamento artístico e no modo de representação de alguns pintores importantes que anunciam já indícios de várias correntes que irão marcar a arte moderna do século XX. Esse fenómeno reflecte-se já nas obras e nos documentos pessoais de Cézanne, Signac e Seurat, Van Gogh e Gauguin. Mas tal transformação, anunciadora do futuro, está ligada àqueles movimentos do século XIX, cuja manifestação mais importante foi a progressiva concentração da pintura sobre o puramente pictórico e a pura visibilidade do mundo exterior.

Algumas afirmações de Van Gogh:

Eu quis exprimir na arte algo da luta pela vida.

As árvores açoitadas pelo vento estavam magníficas, em cada uma havia uma figura, quero dizer, em cada uma, um drama. Até os ridículos pavilhões, encharcados pela chuva e dispersos como estavam, assumiam um carácter particular. Vi neles uma alegoria: também um ser humano, de formas e contornos ridículos pode igualmente tornar-se uma figura dramática com caráter próprio (...) É o dramático [de uma paisagem] que nos faz encontrar um não-sei-quê, algo que nos faz sentir e representar a natureza num momento e de uma forma que se pode ir para ela completamente só, sem companhia.

(...) a meu ver, os verdadeiros pintores são, não aqueles que pintam as coisas como elas são, secamente analisadas, mas os que as pintam como as sentem.

Defendo o direito de o artista não respeitar o colorido ou a fidelidade locais, mas algo de mais apaixonante e eterno, a riqueza da cor (...).
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