quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A Cultura do Palácio 7 - O classicismo humanista e a recuperação das antigas formas cénicas

No seu período de afirmação medieval, o cristianismo assumira uma posição de rejeição em relação à cultura clássica.

A Igreja, tentara, através da transformação e extensão dos rituais em formas espectaculares, esgotar em si a vida espiritual dos fiéis incluindo aquilo que nos dias de hoje poderemos designar por vertente recreativa e cultural.

Foi assim que, ao longo do calendário religioso, se acrescentaram (ou mesmo sobrepuseram) manifestações festivas aos rituais da missa, no interior das igrejas.

Muitas vezes o ritual era contrafeito e parodiado. Noutras ocasiões realizavam-se danças e jogos que podiam degenerar em explosões orgíacas.

A partir de certo momento, a Igreja preferiu optar pela pureza do ritual da missa do que integrar estas manifestações de tendência considerada pagã.

Assim acabaram todas as manifestações de entretenimento e de paródia como também as extensões dramáticas do ritual: o drama litúrgico foi abolido e os mistérios afastados do recinto sagrado.

O latim foi adoptado, definitivamente, enquanto língua exclusiva do ritual litúrgico.
A celebração da missa acabou por encerrar-se sobre si própria.
O clero participa e realiza o ritual, aos fiéis é exigida, apenas, a sua presença.

Os Mistérios, os Milagres, as representações sagradas vêem-se separados da sua fonte e saem do recinto religioso tornando-se formas de teatro populares.

O teatro regressa às ruas dos burgos.

Com o “renascimento do mundo antigo” – processo que irá desenvolver-se centrado na Itália e que levará à afirmação de uma cultura aristocrática e elitista (o poder afirma-se através do gosto) – o teatro será abordado sob diferentes pontos de vista:
  • literário
  • arquitectónico
  • cenográfico
  • cénico

O teatro religioso irá cruzar-se com o “novo” teatro que desponta no século XVI. Assiste-se à recuperação das formas teatrais clássicas de pendor erudito.

O teatro saiu do recinto religioso para reencontrar o seu lugar no mundo laico.

As comédias clássicas romanas constituíam o centro vital das festas de corte.
A cultura clássica tornava-se elemento integrante da vida aristocrática.

Os convidados só chegavam ao pátio onde era montado o teatro após uma longa festa com baile.
O espectáculo tinha, além da representação dramática, um desfile dos trajes que iriam ser usados pelos actores pois nenhum traje era usado duas vezes.

Mesmo quem tinha de representar “escravos gregos, servos, patrões, mercadores” (normalmente os actores eram pessoas da corte) vestia trajes luxuosos e modernos.

É difícil imaginar como se representavam as comédias, normalmente interpretadas pelos intelectuais  da corte.

Entre os actos e no final das comédias eram inseridas curtas acções espectaculares, os entreactos, geralmente momentos de mímica e dança.


Talvez pela sua maior intensidade espectacular, os entreactos cedo começaram, a ser mais apreciados que as comédias que geralmente se tornavam mais pesadas devido a más traduções do latim.

A Cultura do Palácio 6 - Arte Renascentista (generalidades)

O Renascimento foi um período marcado por grandes transformações em muitas áreas da vida humana.

Apesar destas transformações serem evidentes na cultura, na organização da sociedade, na economia, na política e na religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e uma certa ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais utilizado para descrever as transformações verificadas nas artes, na filosofia e nas ciências.

As obras de arte do Renascimento materializaram uma nova maneira de ver o mundo. 

As obras de arte renascentistas apresentavam características comuns.
Características gerais:
• Racionalidade
• Dignidade do Ser Humano
• Rigor Científico
• Ideal Humanista
• Reutilização das artes greco-romana
Brunelleschi foi um dos principais arquitectos do Renascimento - exemplo do artista completo renascentista, foi pintor, escultor e arquitecto. Além de dominar conhecimentos de Matemática, Geometria e de ser grande conhecedor da poesia de Dante. Os seus trabalhos mais importantes foram a cúpula da catedral de Florença e a Capela Pazzi. 

ARQUITECTURA
Principais características:
• Ordens Arquitectónicas
• Arcos de Volta-Perfeita
• Simplicidade na construção
• A escultura e a pintura desprendem-se da arquitectura e passam a ser autónomas
• Construções; palácios, igrejas, vilas (casa de descanso fora da cidade), fortalezas (funções militares)

PINTURA
·         Principais características:
Perspectiva: representação, no desenho ou pintura, das diversas distâncias e proporções que têm entre si os objectos, aplicando princípios da matemática e da geometria. 
·         Realismo idealizado: o artistas do Renascimento não vêm o homem como simples observador do mundo que expressa a grandeza de Deus, mas como a expressão mais grandiosa do próprio Deus.
·         Inicia-se o uso da tinta de óleo. 

·         Tanto a pintura como a escultura (que anteriormente apareciam como parte integrante de obras arquitectónicas) tornam-se manifestações independentes e são introduzidas novas temáticas.

A Cultura do Palácio 5 - Lourenço de Médici, o Magnífico

Lourenço nasceu rico. Os Médici eram uma das famílias mais poderosas da Itália nos séculos XIV a XVI.

Deviam a sua fortuna à boa gestão dos negócios a que se dedicavam: produção artesanal, comércio e transporte de mercadorias a longa distância, câmbio de valores e outras actividades financeiras. Os seus negócios espalhavam-se um pouco por toda a Europa.

A riqueza garantia aos homens nascidos na família Médici um lugar de grande destaque na governação da cidade de Florença.

Florença foi, na época, uma das mais importantes cidades da Europa graças a um ambiente político e social dinâmico e aberto que permitiu um forte desenvolvimento económico e cultural.

Giovanni de Médici, foi o 1º membro da família a fazer  parte do governo de Florença. Foi um banqueiro próspero e generoso mecenas. Morreu em 1429.

Cosimo de Médici, o Velho, sucedeu a Giovanni, seu pai, na gestão dos negócios e no governo da cidade. Foi também um grande mecenas da Florença. Morreu em 1464.

Lourenço foi educado no palácio da família por grandes Humanistas.
Tornou-se um homem culto, eclético, sensível e sofisticado.

Governou Florença com sabedoria e tacto político.
Notabilizou-se pela prosperidade, fama e bem-estar que trouxe à sua cidade.

Desenvolveu uma política cultural notável: atraiu à sua corte poetas, pensadores e artistas; fundou tipografias, criou escolas e bibliotecas; coleccionou livros, obras de arte e objectos raros; estimulou os estudos clássicos; renovou arquitectonicamente a cidade e promoveu inúmeras celebrações particulares e públicas para as quais contratou muitos artistas de variadas artes.

Tendo ele próprio grande inclinação artística foi autor de obras literárias em verso e em prosa, de peças de teatro e de cânticos religiosos.

Apesar da popularidade que alcançou e da prosperidade que proporcionou a Florença, a acção governativa de Lourenço sofreu críticas por parte dos que condenavam a sua política de ostentação e luxo.

“Era alto, forte, quase negro de pele, sem graça e de uma fealdade admirável. (…) Tinha uma boca enormíssima, (…) uma voz rude e desagradável; no entanto a sua eloquência foi sempre decisiva. Apreciava a caça, as corridas de cavalos, os torneios, as festas carnavalescas (…). Interessava-se pela filosofia e pelas belas-artes. Em tudo aquilo em que fixasse a sua atenção, chegava aos primeiros lugares. Possuía o sentimento dos seus valores.”

A Cultura do Palácio 4 - O Humanismo e a Imprensa

O Humanismo foi a expressão literária do pensamento e dos valores dos intelectuais do Renascimento.

Os humanistas foram escritores, filósofos e professores que, animados pelo espírito novo do racionalismo, individualismo e antropocentrismo burgueses e fascinados pelo exemplo dos autores clássicos, gregos e romanos, renovaram o pensamento europeu nas letras, nas ciências e nas artes.

Os humanistas procuraram os textos originais produzidos na Antiguidade Clássica e não as versões e interpretações da escolástica medieval.

Assim, viajantes infatigáveis, pesquisaram nas velhas bibliotecas e nos scriptoria dos mosteiros em busca dos manuscritos antigos.

Platão, Aristóteles, Cícero, Tácito, Plutarco, Séneca e muitos outros, regressam nas suas formas originais em Latim clássico e Grego antigo. 

A par das línguas clássicas, os Humanistas valorizam também as línguas nacionais, nas quais se notabilizam autores que vão tornar-se imortais, como Luís de Camões (1525?-1580) e William Shakespeare (1564-1616).

Para os Humanistas admirar os clássicos não significava copiá-los, quer nos temas, quer nos géneros (literários, pictóricos…).
Imitá-los consistia, sobretudo, em recriá-los.

Os Lusíadas recriam a Odisseia de Homero, as tragédias de Shakespeare recriam as tragédias gregas de Ésquilo, Sófocles e Eurípides com espírito crítico e criativo.

A cultura clássica foi entendida como instrumento pedagógico ao serviço do desenvolvimento de capacidades intelectuais, de valores morais, do conhecimento de si próprio e do mundo envolvente: ao serviço da formação da personalidade humana.

As formas artísticas e de pensamento são constantemente recriadas e renovadas.

Optimistas em relação ao mundo, amantes da vida e da beleza, os Humanistas souberam acreditar no Ser Humano sem deixarem de acreditar em Deus, interpretando as Escrituras de forma a dar um sentido mais humano à mensagem religiosa.

Para a rápida difusão do pensamento Humanista e para o sucesso dos seus autores, muito contribuiu outra novidade desta época: a invenção da imprensa.

Correntemente atribuída a Gutenberg, a invenção da tipografia, a arte da impressão, surgiu na Alemanha por volta de 1440-50.
Levada por tipógrafos itinerantes em busca de mecenas para a sua arte, a imprensa abrangeu, neste período, toda a Europa Ocidental.

O primeiro livro totalmente impresso saiu na Alemanha, cerca de 1456-58; em Paris cerca de 1470; em Nápoles cerca de 1471;  em Cracóvia cerca 1474; em Portugal cerca 1494… em 1480 eram 110 as cidades europeias com oficinas tipográficas instaladas. Em 1500 eram já 236. A partir daí a imprensa não parou de se expandir.

A valorização da experiência enquanto fonte de conhecimento, da Razão e do espírito crítico (e não apenas o saber livresco e teórico) no processo de descoberta do Ser Humano e do Mundo (Universo) proposto pelos intelectuais do Humanismo é a base da consciência da modernidade.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A cultura do palácio 3 - Ser um artista

O novo espírito renascentista foi também impulsionado pela redescoberta da cultura clássica (greco-romana) adoptada por oposição à cultura medieval.

A própria imagem social do artista se alterou por completo.
Os artesãos medievais, criadores anónimos, simples instrumentos de Deus, reflexos da Sua vontade, dão lugar a um novo tipo de artista: um intelectual, dotado de particular talento técnico, capaz de raciocinar e criar novas formas e complexas soluções narrativas.

Em suma: o artista do Renascimento é um criador e não mero reprodutor de formas predefinidas.

A concepção da arte como ciência, contribuiu para que alguns artistas fossem capazes de fazer valer as suas capacidades identitárias (individualismo).

A partir desta época grande parte das obras de arte passam a ser assinadas e o artista a ser reconhecido publicamente. Os mais populares tornaram-se verdadeiras celebridades e a sua fama chegou até aos dias de hoje.

O reconhecimento público das capacidades individuais dos artistas elevou o seu estatuto social. O artista deixa de ser olhado como um trabalhador braçal, equivalente a um pedreiro ou um carpinteiro, agora é visto como um trabalhador intelectual especializado e passa a conviver com as elites sociais.

Frequentam as cortes, contactam com escritores, filósofos e cientistas, nobres e príncipes, burgueses abastados, que os patrocinam e para cuja glória contribuem as suas criações artísticas.

Verdadeiramente admirável e celeste foi Leonardo (…). O seu raciocínio era de grande vigor (…); exprimia tão bem o seu pensamento que dominava pela argumentação e confundia pelo discurso as mais vigorosas inteligências. Inventava sem cessar projectos e modelos (…). A sua conversa era tão agradável que atraía a simpatia; quase sem fortuna e trabalhando regularmente, teve sempre servos, cavalos de que muito gostava e todas as espécies de animais de que se ocupava com interesse e paciência infinitos. Conta-se que, passando no mercado de pássaros, libertava-os da gaiola, pagava o preço pedido e deixava-os voar para lhes restituir a liberdade perdida.

Giorgio Vasari, Elogio a Leonardo da Vinci, em Vidas


Fazendo renascer o esplendor do mundo clássico, a arte do Renascimento foi racional e científica, procurando reproduzir a Natureza ora de forma tecnicista e rigorosa, ora de forma intelectualizada e ideal.

A Cultura do Palácio - 2 (mudam-se os tempos, mudam-se as vontades*)

*Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
 
Luís de Camões





Muitos fatores nos ajudam a compreender que nesta época se tenham verificado tão grandes transformações.

O renascer do mundo urbano e o declínio do Feudalismo geraram um maior dinamismo comercial e económico.

A burguesia viu nas trocas comerciais internacionais uma forma eficaz de enriquecimento. Este facto impulsionou o comércio marítimo, primeiro no Mediterrâneo, depois na exploração das rotas marítimas intercontinentais.

Em finais do século XV e início do século XVI, num curto espaço de 30 anos, tudo muda.
Em 1492 Colombo chega às Antilhas  e logo depois à América
Em 1498 Vasco da Gama dobra o Cabo da Boa Esperança e dirige-se à Índia.
Em 1500 Cabral chega ao Brasil.
Em 1519 Cortez desembarca no México.
Em 1522 as naus de Fernão de Magalhães concluem a 1ª viagem de circunavegação.

As viagens dos descobrimentos foram de extraordinária importância:
·         -abriram as portas a um grande intercâmbio cultural;
·        - animaram o espírito de aventura e o fascínio pelas grandes viagens;
·        - as nações europeias puderam construir um comércio à escala mundial que foi decisivo para o seu enriquecimento e desenvolvimento a todos os níveis;
·       -  revelaram a verdadeira forma e dimensão do Globo Terrestre;
·       - proporcionaram novos saberes baseados na observação e na experiência vivida;
·       - permitiram novos conceitos sobre o Ser Humano e a sua existência.

Um conjunto de factores favoráveis contribuiu para que o Renascimento se desenvolvesse tendo como ponto de partida a Itália:
-O país encontrava-se dividido em repúblicas oligárquicas e não em senhorios feudais;
-A economia apoiava-se no desenvolvimento agro-artesanal e no domínio do comércio internacional através do Mar Mediterrâneo, bem como em atividades de especulação financeira (bancos).
-Um sistema social mais flexível que permitiu muito cedo, a ascensão da classe burguesa a posições de liderança política e social.


Organizada em poderosas  famílias – algumas das quais controlavam o poder político dentro das suas cidades (Os Médicis  em  Florença, os Ferrara em Este, os Strozzi em Milão…) a burguesia italiana impôs-se à aristocracia. Criou um estilo de vida baseado não só na riqueza e no luxo, fruto do seu trabalho, mas também na formação intelectual, literária e artística que esteve na base da ideia do “Novo Homem” - o homem completo ou total que viria a tornar-se emblemático do Renascimento.