segunda-feira, 16 de abril de 2007

«O que é Dada?»

No segundo número, que surgiu em Dezembro de 1919, a revista berlinense "Der Dada" colocava aos seus leitores a questão «O que é Dada?» e ao mesmo tempo sugeria uma série de respostas possíveis e impossíveis, desde "uma arte" a "um seguro contra incêndios". E o questionário acabava com outra pergunta: «Ou será que não é nada, por outras palavras, tudo?».

Este texto, retirado de Dadaísmo da autoria de Dietmar Elger, publicado pela Taschen, coloca-nos perante a dúvida essencial relacionada com este movimento vanguardista do início do século XX: Há um limite para a arte? Pode a criação artística ser encarada como um pássaro azarado que tenha nascido dentro de uma gaiola e imagine serem as grades limite e possibilidade extrema da sua liberdade?

Dietmar Elger prossegue:

O dadaísmo não era exclusivamente um movimento artístico, literário, musical, político ou filosófico. Na realidade era todos eles e ao mesmo tempo o oposto: anti-artístico, provocativamente literário, divertidamente musical, radicalmente político mas anti-parlamentar e, por vezes, simplesmente infantil.

O dadaísmo foi um movimento de ruptura e desalinho. Contra uma Europa a rebentar pelas costuras numa guerra declarada entre Estados-nação hostis, industrializados e armados até aos dentes, envolvidos na guerra mais sangrenta de que, até aí, havia memória.
Refugiados em Zurique, na imparcial Suiça, entrincheirados no mítico Cabaret Voltaire, os pioneiros do dadaísmo quiseram inventar uma forma de expressão artística que se distanciasse da carnificina e da ambição desmedida da sociedade industrial e capitalista que conduzira a velha Europa à beira do precipício.
Era necessário inventar um outro modo de ser humano na conjuntura civilizacional do dealbar do século XX e foi esse o trabalho do movimento Dada. Com pleno sucesso, como veremos.


Manifesto Dadaísta




PRIMEIRO MANIFESTO DADÁ

Hugo Ball

Dadá é uma nova tendência da arte. Percebe-se que o é porque, sendo até agora desconhecido, amanhã toda a Zurique vai falar dele. Dadá vem do dicionário. É bestialmente simples. Em francês quer dizer "cavalo de pau" . Em alemão: "Não me chateies, faz favor, adeus, até à próxima!" Em romeno: "Certamente, claro, tem toda a razão, assim é. Sim, senhor, realmente. Já tratamos disso." E assim por diante.
Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetastes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial Dadá que nunca mais acaba, revolução Dadá que nunca mais começa. Dadá, vós, amigos e Também poetas, queridíssimos Evangelistas. Dadá Tzara, Dadá Huelsenbeck, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá, Dadá Hue, Dadá Tza.
Como conquistar a eterna bemaventurança? Dizendo Dadá. Como ser célebre? Dizendo Dadá. Com nobre gesto e maneiras finas. Até à loucura, até perder a consciência. Como desfazer-nos de tudo o que é enguia e dia-a-dia, de tudo o que é simpático e linfático, de tudo o que é moralizado, animalizado, enfeitado? Dizendo Dadá. Dadá é a alma-do-mundo, Dadá é o Coiso, Dadá é o melhor sabão-de-leite-de-lírio do mundo. Dadá Senhor Rubiner, Dadá Senhor Korrodi, Dadá Senhor Anastasius Lilienstein.
Quer dizer, em alemão: a hospitalidade da Suíça é incomparável, e em estética tudo depende da norma.
Leio versos que não pretendem menos que isto: dispensar a linguagem. Dadá Johann Fuchsgang Goethe. Dadá Stendhal. Dadá Buda, Dalai Lama, Dadá m'Dadá, Dadá m'Dadá, Dadá mhm'Dadá. Tudo depende da ligação e de esta ser um pouco interrompida. Não quero nenhuma palavra que tenha sido descoberta por outrem. Todas as palavras foram descobertas pelos outros. Quero a minha própria asneira, e vogais e consoantes também que lhe correspondam. Se uma vibração mede sete centímetros, quero palavras que meçam precisamente sete centímetros. As palavras do senhor Silva só medem dois centímetros e meio.
Assim podemos ver perfeitamente como surge a linguagem articulada. Pura e simplesmente deixo cair os sons. Surgem palavras, ombros de palavras; pernas, braços, mãos de palavras. Au, oi, u. Não devemos deixar surgir muitas palavras. Um verso é a oportunidade de dispensarmos palavras e linguagem. Essa maldita linguagem à qual se cola a porcaria como à mão do traficante que as moedas gastaram. A palavra, quero-a quando acaba e quando começa.
Cada coisa tem a sua palavra; pois a palavra própria transformou-se em coisa. Porque é que a árvore não há-de chamar-se plupluch e pluplubach depois da chuva? E porque é que raio há-de chamar-se seja o que for? Havemos de pendurar a boca nisso? A palavra, a palavra, a dor precisamente aí, a palavra, meus senhores, é uma questão pública de suprema importância.

Zurique, 14 de Julho de 1916




quinta-feira, 5 de abril de 2007

Fauvismo (4) Outra vez Vlaminck

Vlaminck com um auto-retrato
Maurice de Vlaminck, Tugboat on the Seine, Chatou, 1906, National Gallery of Art, Washington, Collection of Mr. and Mrs. John Hay Whitney 1998.74.4


É interessante atentar no texto de Walter Hess sobre Vlaminck. Vem imediatamente a seguir à reflexão sobre Matisse.
Diz assim:

"Vlaminck, pelo contrário, o caso extremo do fauve «patético», exagerou desenfreadamente essa vitalidade [a vitalidade do Fauvismo]. De ascendência flamenga, tinha uma figura de gigante loiro, era pugilista, corredor de ciclismo e violinista de café. Desde 1900 que é amigo de Derain. No seu ateliê comum da ilha de Chatou, no Sena, ambos se sentem uns anarquistas radicais que, pelo gesto da força da sua pintura, se revoltam simultaneamente contra a pseudocultura decadente da burguesia e contra as convenções da arte oficial. (...) «As cores eram para nós como cartuchos de dinamite. Tinham de descarregar a luz. Começávamos directamente pela cor. A ideia em toda a sua frescura era maravilhosa - podermos elevar tudo acima do real.» (Derain)"

Ainda segundo Hess, reza a lenda que Vlaminck travou conhecimento com Matisse em 1901 numa exposição póstuma da obra de Van Gogh e ter-lhe-á dito que

"(...) amava mais Van Gogh que o seu próprio pai e que desejaria fazer ir pelos ares com cobalto e cinábrio a escola de arte oficial."

Vlaminck é aqui apresentado como um verdadeiro esterótipo do "pintor louco". Excessivo, exaltado e com uma tremenda vontade de revolucionar... nem ele saberia ao certo o quê! Seja como for, observando as pinturas deste Hércules arrebatado, podemos identificar toda essa vitalidade brutal e a admiração imensa que nutria por Van Gogh.
Vlaminck parece ter lutado com a tela, agredindo-a com os pincéis. A sua pintura é como que o resultado de uma sessão de pugilismo misturado com luta-livre e ficamos na dúvida sobre quem terá saído vencedor.
Uma verdadeira fera!
Ao contrário, Matisse era uma personagem perfeitamente banal, cordial e, dizem, extremamente delicado no trato. O caso destes dois artistas é bem ilustrativo do risco que corremos se dermos demasiada importância aos rótulos. Ambos surgem associados ao "Fauvismo" e, como podes ver (se pesquisares imagens como te propus uns quantos posts aí abaixo), o resultado dos seus trabalhos é de natureza completamente diferente e com resultados bem distintos.
Nunca é demais parafrasear o nosso mestre Gombrich: "A arte não existe, o que existe são artistas e o seu trabalho está sempre relacionado com o tempo e o espaço que o envolvem."
(não sei se é bem assim mas é qualquer coisa parecida, não tenho o livro aqui à mão)
Há, no entanto, alguns pontos em comum nas obras destes dois artistas que justificam o rótulo. És capaz de perceber quais são?

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Fauvismo (3) E agora... Matisse!


Matisse no seu ateliê "A criatividade não é apenas uma boa ideia, é o Futuro!"

"Pintar significa provocar artísticamente um fenómeno concreto, a partir da superfície. O pintor liga-se a um motivo que impressionou a sua sensibilidade e o seu instinto vital. Há que tornar esse motivo «essencial», traduzindo-o em puros valores de superfícies de cor e de linha, simples e intensificados, pois o mero reflexo das impressões passageiras seria apenas um estímulo fugidio e não um valor duradoiro e essencial. Matisse esclarece como essa tradução [do motivo «essencial» em superfícies de cor e de linha] muda inteiramente as formas e as cores dadas pelo motivo e, no entanto (...) não se afasta do objecto, mas antes o eleva a um estado ideal, pois cada elemento colorido e formal, num debate meramente artístico com o campo de tensão que é a superfície, é levado ao ponto de irradiar pura e tranquilamente o seu valor de eficiência, apoiado e intensificado por todos os outros elementos [da composição]."

Este texto de Walter Hess (in Documentos Para a Compreensão da Pintura Moderna, Edição Livros do Brasil, Lisboa, págs. 66 e 67) reflecte sobre uma certa ideia de "pintura pura" patente na obra de Henri Matisse (1869-1954) em que aquilo que é representado sobre a tela se autonomiza em relação ao motivo que lhe é exterior, atingindo a pintura um «valor essencial» que lhe é próprio e a caracteriza.
Hess prossegue a sua reflexão:

"Este valor de eficiência é nitidamente para Matisse um valor puro de vivacidade, de prazer, de serenidade que na superfície pode ser próprio de toda a cor e de toda a forma. (...) As cores não pretendem exprimir nem significar nada senão cor, mas, na medida em que representam de um modo inteiramente puro o seu próprio valor, acentuado pelo prazer, provocam simultaneamente de uma forma artística um fenómeno (o motivo), a partir da superfície [da tela]. Decoração e expressão tornam-se idênticas e a tensão indivíduo-mundo fica reduzida a um equilíbrio puramente estético. Matisse desenvolveu uma subtil sabedoria estética a partir do Fauvismo sem lhe enfraquecer a vitalidade original."

Podemos então concluir que Matisse "descobre" um processo criativo que torna a tela num objecto particular e artificial, que obedece a regras próprias e específicas ditadas pelo pintor, que é livre de as estabelecer de acordo com a sua sensibilidade artística.

Partindo desta premissa, o artista sente-se livre para desenvolver um jogo formal e cromático que obedece a um conjunto de regras internas, próprias daquele objecto particular, que lhe conferem a coerência necessária para satisfazer as exigências características do objecto plástico.

A questão de "reduzir" a obra de arte a um objecto decorativo não se coloca a Matisse uma vez que aquilo que orienta a sua pesquisa plástica é a busca de uma certa possibilidade de felicidade encontrada na fruição artística e não a intenção de explorar temas grandiosos ou de pendor social. Poderíamos afirmar que Matisse se interessou muito mais pela forma do que pelo conteúdo.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Fauvismo (2) Ainda Vlaminck (1876-1958)

Vlaminck, Port Marly, óleo sobre tela
"Em arte, as teorias têm a mesma utilidade que as receitas em medicina: para acreditar nelas é preciso estar doente."
Esta frase extraordinária de Maurice Vlaminck mostra a atitude característica dos pintores que viveram o furacão estético das Vanguardas, no início do século XX. Animados por uma espécie de sobranceria arrebatadora, os Fauves, os Expressionistas, os Dadaístas e outros que tais, propunham uma revolução total na forma de fazer e pensar a arte.
"O saber mata o instinto. Não se faz pintura; cada um faz a sua própria pintura!"
As academias representam o inimigo a abater, o pintor assume-se como um "super-romântico" genial que segue, acima de tudo, o próprio instinto perante o motivo da pintura. A partir daqui só existirá o futuro!

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Fauvismo (1)

Retrato de Maurice Vlaminck (bela pinta, não?)

Um primeiro exercíciozinho de aproximação.
Arranja disponobilidade e paciência e faz uma pesquisa para cada um destes nomes.
Pronto, está bem, podes pesquisar "apenas" na Net apesar de todos sabermos como há montanhas de livros interessantes sobre Arte a ganharem pó nas prateleiras tristonhas das bibliotecas.
Voltando ao exercício. Procura imagens e mais imagens e, ainda, mais imagens de cada um dos pintores abaixo indicados , não te dês ao trabalho de ler informação sobre eles nem sobre as respectivas obras. VÊ, "apenas", as imagens.
Põe a cabeça a funcionar e faz uma lista das características globais e semelhanças entre elas:
- em termos da utilização da cor;
- no tratamento das formas;
- temáticas mais frequentes.

Henri Matisse


Georges Rouault


Albert Marquet


André Derain


Maurice Vlaminck


Pronto. Já está?
Deves ter chegado a algumas conclusões interessantes, não?
Na Escola falamos sobre o assunto.
Continuação de boas férias.