sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Notas do Mestre Gombrich: Naturalismo e Realismo oitocentista

(...) a revolução que se seguiu envolveu sobretudo as convenções que regem a temática. Nas academias ainda era preponderante a ideia de que as pinturas dignas devem representar personagens dignas e de que trabalhadores e camponeses fornecem temas adequados apenas para cenas de género, na tradição dos mestres holandeses (Pieter Bruegel, o velho e Jan Steen por exemplo). Durante a revolução de 1848, um grupo de artistas reuniu-se na aldeia francesa de Barbizon para seguir o programa de Constable e observar a natureza com novos olhos. Um deles, Jean-François Millet (1814-75), decidiu alargar o programa das paisagens às figuras. Quis pintar cenas da vida camponesa tal como realmente ela era, pintar homens e mulheres a trabalharem no campo. É curioso reflectir que, afinal, isso iria ser considerado revolucionário; mas acontece que, na arte do passado, os camponeses eram geralmente vistos como labregos ridículos, tal como Bruegel os pintara. A figura (no topo deste post) representa a famosa tela de Millet, As Respigadeiras. Não temos aí exposto qualquer incidente dramático; nada no estilo de um episódio digno de ser assinalado. Apenas três mulheres a labutarem num campo raso onde a colheita está a ser feita. Não são figuras belas nem graciosas. Não há qualquer sugestão de idílio campestre em toda a cena. Estas camponesas movem-se lenta e pesadamente. Estão inteiramente absorvidas no seu trabalho. Millet empenhou-se em realçar a compleição sólida e robusta e os movimentos deliberados das três mulheres. Modelou-as com firmeza e em contornos simples contra a brilhante seara banhada pelo sol. Assim, as suas três camponesas, adquiriram uma dignidade mais natural e mais convincente que as dos heróis académicos.

Proposta de actividade de investigação: procurar online informação relativa aos temas assinalados a vermelho no texto reproduzido no post acima.

Aconselha-se ainda a consulta de http://pms2004.no.sapo.pt/barbizon.htm para informação suplementar.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Uma cidade da Revolução Industrial no Século XIX (segundo Charles Dickens)


O triunfo dos factos

Charles Dickens

Tempos Difíceis, I, 5 e 10 (1854)

Coketown era o triunfo dos factos. Era uma cidade de tijolos vermelhos ou, melhor, de tijolos que teriam sido vermelhos, se o fumo e as cinzas o tivessem permitido. Tal como estavam as coisas era uma cidade de um vermelho e um negro inaturais como a face pintada de um selvagem; uma cidade cheia de maquinarias e de altas chaminés de que saíam serpentes de fumo que se desenrolavam ininterruptamente. Havia um canal negro e um rio violáceo por causa das tintas malcheirosas que nele derramavam; havia grandes aglomerados de edifícios repletos de janelas que tintinavam e tremiam todo o dia; em Coketown, os êmbolos das máquinas a vapor subiam e desciam com um movimento regular e incessante como a cabeça de um elefante a braços com uma louca melancolia. Havia muitas ruas largas, todas iguaizinhas, e muitas ruas estreitas, todas iguaizinhas; lá moravam pessoas também todas iguaizinhas que entravam e saíam todas à mesma hora, fazendo o mesmo ruído de passos na calçada; pessoas para quem o hoje era sempre igual ao ontem e ao amanhã, e cada ano era répkica do passado e do vindouro.

Na parte mais industrial de Coketown, nas fortificações mais secretas e recônditas daquela horrível cidadela, onde as paredes de tijolo barravam a passagem à natureza com a mesma prepotência com que guardavam gás e exalações mefíticas; no coração daquele labirinto de pátios que se sucedem a pátios, de ruelas que se sucedem a ruelas, todos construídos de pedaços e bocados escolhidos ao acaso, só porque um fulano qualquer precisara dele urgentemente; neste coração onde os edifícios, aglomerados num conjunto desarmónico, se encostavam, como enxames, uns aos outros até se sufocarem; no nicho mais remoto deste grande reservatório, já quase totalmente exaurido, onde as chaminés, para criar as necessárias correntes de ar, tinham uma infinita variedade de formas - e uma era torta e a outra enfezada -, como que a indicar a natureza de quem nascia em cada uma dessas casas; no meio da multidão de Coketown, cahamada genericamente "mão-de-obra" - uma raça de seres que deveria ser tida em maior consideração se a Providência tivesse considerado oportuno dotá-los só de mãos ou, como acontece com algumas espécies inferiores de seres marinhos, só com mãos e estômagos - nesse lugar vivia um certo Stephen Blackpool, de quarenta anos.
Não vale a pena tecer grandes comentários ao texto acima transcrito. Dickens foi um escritor extraordinário. A imagem que fica da Revolução Industrial é a de uma multidão de miseráveis que procuram uma vida melhor e apenas a encontram ligeiramente diferente na forma, igualmente miserável e dura no conteúdo.