quarta-feira, 4 de março de 2015

3 - Mimos e Jograis (módulo 3)


O teatro da Antiguidade, tal como o descrevemos nos módulos anteriores, é destruído pela queda do Império Romano.

Nos mosteiros continuava-se a copiar as comédias e as tragédias da tradição clássica. Estes textos eram lidos mas não representados.

Na Alta Idade Média a ideia de teatro torna-se indefinida e nebulosa.
O teatro representado em grandes anfiteatros em ocasiões festivas, com numerosa assistência e grupos de actores específicos, deixa de existir.

Surgem numerosos profissionais que se dedicam a actividades relacionadas com as artes da representação.
São herdeiros directos dos mimos e dos actores que conhecemos em Roma.
As designações que os classificam são muito variadas (joculatores, mimi, scurrae, e ainda menestriers e trobadours, isto é: menestréis e trovadores).

menestrel 
1. Poeta medieval.
2. [Figurado]  Cantor e músico ambulante.
Plural: menestréis.

No entanto, a designação mais difundida e que mais contribui para criar uma imagem próxima daquilo que entendemos por actor será a do joculator (bobo, jogral) palavra que tem a sua raiz em jocus, jogo.
Esta ideia traduzirá também o conceito de acção teatral e de actor noutras línguas : spiel-spieler em alemão, play-player em inglês.

jogral
substantivo masculino
Truão, bobo; histrião.

A história dos jograis e dos actores em geral, ao longo de toda a Idade Média, é a história da sua condenação pela Igreja Católica que travará uma longa luta contra o teatro ao longo de séculos.

Compreende-se esta luta se tivermos em conta a revolução cultural protagonizada pelo cristianismo primitivo com a negação absoluta da cultura clássica, da qual o teatro era considerada a expressão mais mundana e diabólica.

mundano
(latim mundanus, -a, -um)
adjectivo
1. Próprio do mundo.
2. Profano.
3. Falta de moral, de comedimento.
4. Não virtuoso.
5. Dado aos prazeres do mundo.
substantivo masculino
6. Pessoa que aprecia as visitas, a sociedade, a convivência.

O cristianismo admite, sugere mesmo, reprimir a natureza, limitando a satisfação dos desejos e das necessidades para humilhar a carne.
Mas não admite que se possa alterar a natureza na medida em que, enquanto obra de Deus, é sublime e perfeita.

As condenações baseavam-se essencialmente em 3 constatações:

O jogral é vagabundo. Normalmente anda de terra em terra.  Não encena o seu espectáculo num lugar determinado, oferece-o.
Tanto representa em qualquer lugar onde se reúna um grupo de pessoas, como entra nas casas, principalmente nas casas dos ricos (que podem pagar os seus serviços) onde alegram os banquetes ou até mesmo dos camponeses por ocasião de casamentos ou baptizados.

O jogral é vão, pois a sua arte é vazia de conteúdo artístico e nada produz de útil. Para os padres da igreja o divertimento é perigoso e inútil e contrário à seriedade do estudo e da catequese.
Os textos (quando os há) apresentam-se paródicos e invertem os valores espirituais da Igreja.

O jogral é um fingidor. Desvirtua a imagem natural. O trabalho do actor que transfigura o seu corpo é considerado um pecado equivalente ao da mulher que se maquilha, ao luxo exagerado, às práticas anticoncepcionais, à sodomia e à investigação científica, práticas e  transformações da natureza consideradas diabólicas.

Assim, a condenação do fingimento, diz respeito a todo o tipo de disfarces os quais podemos considerar, de um modo geral, teatrais e também às festas populares, principalmente a grande festa carnavalesca.
A igreja condena o disfarce que, contra a natureza, transforma o homem em mulher e a mulher em homem e ambos em animais (pela cedência a todos os excessos e tentações).


O excesso de gesticulação e de vocalidade parece ter sido a marca estilística dos jograis, contorcionistas, cantores, acrobatas, ilusionistas, exibicionistas de animais amestrados, ou mimos medievais.

Mas os jograis também eram profissionais da palavra significante, ao contrário do que pensavam os moralistas. Principalmente da palavra crítica e narrativa.

Pagos muitas vezes para difamar, os jograis são o espírito crítico da sociedade. Os camponeses são o alvo preferencial da sua fácil e violenta ironia para divertimento dos mais ricos.
Além disso a sátira tinha também uma função informativa e o jogral desempenhava, um pouco, o papel de jornalista.


Distinguem-se 3 tipos de jograis:
Os que transfiguram os seus corpos com gestos e saltos abjectos, tirando ou pondo máscaras horríveis;
Os  que divertem as cortes dos poderosos dizendo mal ou gozando com os ausentes;
Os que compõem canções para celebrar os feitos grandiosos dos príncipes e  dos santos.
Estes últimos são verdadeiros cantores populares e, de certo modo, tolerados pela Igreja quando o seu trabalho é considerado digno e respeitoso da moral.


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