segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

(Mestre Gombrich) Sobre Van Gogh


"No Inverno de 1888, enquanto Seurat atraía as atenções em PAris e Cézanne trabalhava no seu retiro em Aix, um jovem e ardente holandês trocava Paris pelo Sul de França, em busca da luz e cor intensas das regiões meridionais: Vincent Van Gogh. Nascido na Holanda em 1853, Van Gogh, filho de um pastor (protestante), era um homem profundamente religioso, que trabalhara como pregador leigo na Inglaterra e junto de mineiros belgas. Vivamente impressionado pela arte de Millet e pela sua mensagem social, decidiu tornar-se pintor. O irmão mais novo, Theo, que trabalhava na loja de um marchand (comerciante de obras de arte), apresentou-o a vários impressionistas. Theo era um homem extraordinário. Embora fosse pobre sustentou Vincent sem esmorecer e até financiou a viagem deste para Arles, na Provença. Vincent esperava que se pudesse trabalhar ali, sem ser perturbado, durante um certo número de anos, talvez conseguisse um dia vender as suas telas e recompensar o seu generoso irmão. Durante a voluntária solidão em Arles, Vincent registou para Theo todas as suas ideias e esperanças em cartas que se lêem como um diário. Essas cartas escritas por artista humilde e quase autodidacta, que não fazia ideia nenhuma da fama que iria conquistar, contam-se entre as mais interessantes e comoventes de toda a literatura. Nelas podemos pressentir o sentimento de missão do artista, a sua luta e os seus triunfos, o seu deseperado anseio por uma companhia e ficamos a conhecer a imensa tensão sob a qual trabalhou com febril energia.. Menos de um ano depois, em Dezembro de 1888, sucumbiu e teve um acesso de loucura. Em Maio de 1889 foi internado numa clínica psiquiátrica, mas ainda tinha intervalos de lucidez, durante os quais continuou a pintar. A agonia durou mais 14 meses. Em Julho de 1890, Van Gogh pôs termo à vida - com 37 anos, como Rafael, e a sua carreira de pintor não durara mais de dez anos; os quadros que lhe granjearam a fama foram todos pintados durante três anos entrecortados por crises de desespero. Hoje, a grande maioria das pessoas conhece, pelo menos, algumas das suas telas; os girassóis, a cadeira vazia, os ciprestes e alguns dos retratos tornaram-se populares em reproduções coloridas e podem ser vistos em muitas salas de pessoas modestas e simples. Era isso, exactamente, o que Van Gogh queria: que as suas telas tivessem o efeito directo e forte das coloridas estampas japonesas que tanto admirava. Ansiava por uma arte despojada que não atraísse apenas os connoiseurs endinheirados, mas propiciasse alegria e consolo a todos os seres humanos. Não obstante, essa não é a história toda. Nenhuma reprodução é perfeita. As reproduções baratas fazem os quadros de Van Gogh parecerem mais toscos do que realmente são e, por vezes, uma pessoa pode cansar-se delas. Sempre que isso acontece é uma grande revelação voltar às obras originais de Van Gogh e descobrir até que ponto ele era capaz de ser subtil e deliberado nos seus efeitos mais fortes."
E. H. Gombrich, A História da Arte, editada pelo jornal Público a partir da última (16ª) edição revista, aumentada e com novo arranjo gráfico. Impressa na China. Páginas 544, 45 e 46.
Esta breve biografia de Van Gogh enfatiza a sua tremenda paixão pela vida e pela pintura, duas dimensões que para este Holandês voador eram uma só de tal modo se misturavam no seu quotidiano alucinado. Praticou uma pintura simples e popular, fruto da força expressiva de um indivíduo que não encontrou outra razão para existir que não fosse a de criar a sua arte.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ótima postagem.
Uma aula! De MESTRE!

Silvares disse...

Nunca me canso de ler e reler a obra do Mestre Gombrich. Cada dia que regresso às páginas da sua História da Arte parece que é coisa nova e, afinal, não devia ser... mas é. Uma espécie de pequeno fenómeno.