A obra de arte total e efémera
"(...) Esta obra de arte total não engloba somente na sua interpenetração mútua as artes chamadas nobres: a arquitectura, a escultura, a pintura e o ornamento, tal como estão reunidas na construção de igrejas e palácios, mas também a festa, que faz com que estas artes colaborem nos cerimoniais religiosos e seculares, aí acrescendo, além disso a música, a poesia e a dança. (...)
(...) a intenção do cerimonial temporário é (...) um traço constante da arte barroca. A «dinâmica» tantas vezes citada que nós vemos animar as fachadas e os interiores, as figuras de santos elevados aos céus das pinturas de tectos por meio de energias sobrenaturais e, numa larga parte também, as diversas formas de emoção da alma expressas pelas atitudes e pelas expressões das personagens, esta dinâmica tinha em vista abolir a contradição entre o instante e a duração, o que não podia ser obtido em outra parte que não fosse no cerimonial nem em outra forma que não fosse simbólica.
Nenhuma outra época teve uma consciência tão aguda de viver no temporal. Não é por acaso que as maiores energias espirituais e materiais são constantemente mobilizadas para arquitecturas efémeras, para os grandes programas iconológicos e para as decorações de cortejos triunfais, para os «trionfi» e as «entradas solenes» e, em última análise, também para as grandes cenas de aparato, as «castra doloris», as solenidades fúnebres.
Os pontos culminantes do paradoxo que estes monumentos do efémero, como se poderia chamar a este tipo de manifestações, parecem encarnar, eram os fogos de artifício. Em oposição total com o que se entende habitualmente nos dias de hoje por este termo, eles tinham um carácter inteiramente representativo. Os homens que os concebiam e os punham a funcionar gozavam da mesma consideração que os artistas mais celebrados; o homem do barroco não poderia ter feito uma diferença entre a «arte» e um extraordinário fogo de artifício, na medida em que a depuração do conceito de arte (...) estava ainda fora do alcance de vista."
In A Pintura do Barroco de Andreas Prazer e Hermann Bauer sob a direcção de Ingo F. Walter, ed Taschen, 1997
O texto refere e acentua a ideia, exposta no espaço de aula, de um certo sentido de grandiosidade, característico da manifestação artística do período Barroco, alcançado frequentemente pela "mistura" de diferentes tipos de linguagens e formas de expressão artística. Esta "obra de arte total" terá de ser, obrigatoriamente, efémera.
A própria vida quotidiana das classes mais elevadas é muitas vezes encarada como uma cerimónia, uma espécie de liturgia, com as suas regras específicas e um acentuado sentido do espectáculo.
No período do Barroco parece ter havido uma grande vontade de aproveitar ao máximo as possibilidades de prazer oferecidas a determinadas personagens por um estilo de vida pleno de glamour e bem-estar. Este modo de vida está apenas ao alcance dos grandes favorecidos pela dominação do aparelho produtivo em conjugação com o aparelho institucional e repressivo que garante a distância em relação às classes mais desfavorecidas e que são a base de sustentação da riqueza dos poderosos. Até mesmo esta acentuada diferença entre classes sociais, o violento contraste nas condições de vida e de sobrevivência de uns e outros, serve de metáfora ao acentuado jogo entre a luz e a treva que temos por característico deste período artístico.
"(...) Esta obra de arte total não engloba somente na sua interpenetração mútua as artes chamadas nobres: a arquitectura, a escultura, a pintura e o ornamento, tal como estão reunidas na construção de igrejas e palácios, mas também a festa, que faz com que estas artes colaborem nos cerimoniais religiosos e seculares, aí acrescendo, além disso a música, a poesia e a dança. (...)
(...) a intenção do cerimonial temporário é (...) um traço constante da arte barroca. A «dinâmica» tantas vezes citada que nós vemos animar as fachadas e os interiores, as figuras de santos elevados aos céus das pinturas de tectos por meio de energias sobrenaturais e, numa larga parte também, as diversas formas de emoção da alma expressas pelas atitudes e pelas expressões das personagens, esta dinâmica tinha em vista abolir a contradição entre o instante e a duração, o que não podia ser obtido em outra parte que não fosse no cerimonial nem em outra forma que não fosse simbólica.
Nenhuma outra época teve uma consciência tão aguda de viver no temporal. Não é por acaso que as maiores energias espirituais e materiais são constantemente mobilizadas para arquitecturas efémeras, para os grandes programas iconológicos e para as decorações de cortejos triunfais, para os «trionfi» e as «entradas solenes» e, em última análise, também para as grandes cenas de aparato, as «castra doloris», as solenidades fúnebres.
Os pontos culminantes do paradoxo que estes monumentos do efémero, como se poderia chamar a este tipo de manifestações, parecem encarnar, eram os fogos de artifício. Em oposição total com o que se entende habitualmente nos dias de hoje por este termo, eles tinham um carácter inteiramente representativo. Os homens que os concebiam e os punham a funcionar gozavam da mesma consideração que os artistas mais celebrados; o homem do barroco não poderia ter feito uma diferença entre a «arte» e um extraordinário fogo de artifício, na medida em que a depuração do conceito de arte (...) estava ainda fora do alcance de vista."
In A Pintura do Barroco de Andreas Prazer e Hermann Bauer sob a direcção de Ingo F. Walter, ed Taschen, 1997
O texto refere e acentua a ideia, exposta no espaço de aula, de um certo sentido de grandiosidade, característico da manifestação artística do período Barroco, alcançado frequentemente pela "mistura" de diferentes tipos de linguagens e formas de expressão artística. Esta "obra de arte total" terá de ser, obrigatoriamente, efémera.
A própria vida quotidiana das classes mais elevadas é muitas vezes encarada como uma cerimónia, uma espécie de liturgia, com as suas regras específicas e um acentuado sentido do espectáculo.
No período do Barroco parece ter havido uma grande vontade de aproveitar ao máximo as possibilidades de prazer oferecidas a determinadas personagens por um estilo de vida pleno de glamour e bem-estar. Este modo de vida está apenas ao alcance dos grandes favorecidos pela dominação do aparelho produtivo em conjugação com o aparelho institucional e repressivo que garante a distância em relação às classes mais desfavorecidas e que são a base de sustentação da riqueza dos poderosos. Até mesmo esta acentuada diferença entre classes sociais, o violento contraste nas condições de vida e de sobrevivência de uns e outros, serve de metáfora ao acentuado jogo entre a luz e a treva que temos por característico deste período artístico.
3 comentários:
Muito boa aula!
Por essa e TODAS as outras que o Varal esta indicando mais um selo para o Mestre.
Eduardo, faço aqui o meu agradecimento por mais este "mimo". Com fazes notar no Varal não me sinto muito à vontade nestas cenas mas a verdade é que sabem bem.
:-)
Parabéns pelo blog!...
Gostei.
Enviar um comentário