"Ao expor ready-mades - sendo o secador de garrafas de Marcel Duchamp o mais célebre -, Dada pretendia proclamar que não existe diferença entre as «obras» de arte e os objectos da vida de todos os dias. Os escritos de Picabia que procuram dar conta da realidade mais terra-a-terra traduzem a mesma intenção:
O cão deixou a casa, mas os meus pais estão doentes.
O piano está desafinado, mas o meu tio perdeu o lenço.
A baixela está terminada, mas já não há compota.
O peixe está fresco, mas a minha tia tem dores no olho.
A arte dessacralizada participa, pois, da vida quotidiana ao mesmo tempo que se alimenta dela. Marcel Janco relata o seguinte: «Encontrar um simples calhau tornava-se uma aventura. Descobrir o mecanismo de um relógio, encontrar um pequeno bilhete de carro-eléctrico, uma bela perna, um insecto, ou explorar um canto do quarto, tudo isso podia mobilizar sensações puras e directas. Ao adaptar assim a a arte à vida quotidiana e às experiências extraordinárias, submetemo-la aos mesmos riscos, às leis do imprevisível, ao acaso, ao jogo das forças vitais. A arte já não é uma emoção (séria e importante), nem uma tragédia sentimental, antes simplesmente o resultado da experiência vivida e da alegria de viver».
A arte vê-se assim conduzida ao nível do quotidiano para testemunhar que é aí que reside a urgência, que é preciso agir sobre ele para dele fazer a única obra de arte. A arte torna-se (...) tarefa de toda a gente."
in Dada, História de uma subversão, de Henri Béhar e Michel Carassou, ed. Antígona, tradução de José Miranda Justo, 1º edição Novembro de 2015, página 102