terça-feira, 31 de julho de 2007

Primeira Lição do Mestre Gombrich


"Não existe realmente algo a que se possa chamar Arte. Existem apenas artistas. Outrora esses homens pegavam num punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisonte na parede de uma gruta; hoje, eles compram as tintas e pintam cartazes para estações subterrâneas de metro; e muitas outras coisas os artistas fizeram ao longo dos tempos. Não há mal nenhum em designar como arte todas essas actividades, desde que se tenha em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em várias épocas e lugares, e que Arte com maiúscula não existe. Na verdade, a Arte com maiúscula tornou-se algo como um papão, um feitiço. Podemos esmagar um artista dizendo-lhe que o que ele faz pode ser excelente no seu género, só que não é "Arte". E podemos desconcertar qualquer pessoa que esteja contemplando com deleite uma tela, declarando que aquilo que nela tanto aprecia não é Arte, mas algo diferente.
De facto, não penso que existam quaisquer razões erradas para se gostar de uma estátua ou de uma tela. Alguém pode gostar de uma paisagem porque ela lhe recorda a terra natal, ou de certo retrato porque lhe lembra um amigo. Nada há de errado nisso. Todos nós, quando vemos um quadro, somos fatalmente levados a recordar mil e uma coisas que influenciam o nosso agrado ou desagrado. Na medida em que tais lembranças nos ajudam a fruir do que vemos, não temos que nos preocupar. Só quando alguma recordação irrelevante nos torna preconceituosos, quando instintivamente voltamos costas a um quadro magnífico de uma cena alpina porque não gostamos de alpinismo, é que devemos sondar o nosso íntimo para desvendar as razões dessa aversão, que frustra o prazer que, de outro modo, poderíamos ter tido. Também existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte."

E. H. Gombrich, A História da Arte, Público (http://loja.publico.clix.pt/Publico/DetalheProduto.html?id=684), página 15, Introdução-Sobre arte e artistas